sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Dosimetria da pena e a delação premiada: apontamentos, diante do recente escândalo envolvendo a “cúpula” da Polícia Civil

Por Amanda de Abreu Cerqueira Carneiro

Há tempos que tenho juntado material para escrever sobre esse tema. A gota d'água foi à recentíssima megaoperação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, juntamente com a Polícia Federal (a menos corrompida e mais selecionada do país), que trouxe à tona um esquema criminoso.

Traficantes e policiais foram surpreendidos, graças ao trabalho sério e limpo dos acima citados, que jogaram uma pá de cal nessa pouca vergonha. Vale apenas acompanhar os escândalos oriundos da conduta desprovida de bom senso ético de alguns agentes, envolvidos em esquema de movimentação de venda de armas e drogas para grandes traficantes.

Não sei se esse artigo será válido para vocês. Contudo, para quem estuda penal especial, mormente para os concursos do MP, é válido aprofundar o tema e se atualizar com as últimas notícias. Durante um bom tempo, fiz concursos para a polícia. Horas focada nas aulas de Patrícia e Angélica Glioche, mergulhada nos livros, acabei me apaixonando pelo penal especial, mas vi que o meu foco é o MP.

Não sei se sobreviveria a tanta corrupção e sujeira. Talvez seja por isso que eu não esteja como alguns colegas. Continuo levando a minha vida com simplicidade, sem aceitar benefícios e sem fazer festa com o pudim dos outros, mas coloco a cabeça no travesseiro, todos os dias, tranquila. E põe tranquila nisso. Amém!

Mas voltando... Na operação de invasão ao Complexo do Alemão, por intermédio do Globocop, vimos, através das imagens, o potencial das armas utilizadas pelos traficantes. Muitas com o preço de um carro zero, tamanha suntuosidade. Agora, questiono: como essas armas chegam aos meliantes?

A alta cúpula da Polícia foi desmascarada. O ex-chefe, traído pelo delator, a quem confidenciava todas as tramóias, se entregou, e 35 (trinta e cinco) agentes foram presos, com a ajuda da Polícia Federal e do Parquet Estadual.

Tratava-se de uma de rede de proteção ao crime que funcionava por meio de "vazamento de informações". A Operação Guilhotina soltou 45 mandados de prisão que deveriam ter sido cumpridos, e apenas 35 foram pegos.

As milícias existem e foram deflagradas com perfeição no filme Tropa de Elite 2, cujos roteiristas são duas pessoas sérias e de currículos invejáveis (Rodrigo Pimentel e André Soares). Pessoas de parcas posses, que não tem para onde ir, ainda recebem auxílios básicos de traficantes, mas os mesmos estão nas mãos dos milicianos, e essa realidade cresce de forma exponencial.

A rede de proteção ao tráfico foi entregue por intermédio da delação premiada, instituto previsto no artigo 8º, parágrafo único, da Lei n.º 8.072/90 (Lei de crimes hediondos), que prevê: "O participante que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)". Prevê ainda os artigos 14, da Lei nº. 9.807/99 e 7º da Lei nº. 8.072/90 o instituto, que tem a função de amarrar investigações de crimes de difícil (melhor, quase impossível) elucidação.

O ex-subchefe da Polícia Civil, Carlos Antônio Luiz Oliveira, famoso pelas aparições na ocupação do Alemão e homem de confiança do delegado e ex-chefe, Allan Turnowski, foi investigado, onde se descobriu que o mesmo seria envolvido com uma milícia, que teria desviado armas apreendidas no Complexo, na época da ocupação. Encurralado, entregou Allan. Toda a ação dos policiais era apoiada e financiada pela "cúpula". Encurralado, entregou os “peixes grandes”, que davam as ordens, e o principal, é Allan. Quem diria... Só a nova Chefe, Martha Rocha, para dar um jeito nisso. Ave, ó, Martha Rocha!

As armas usadas pelo tráfico são da própria polícia, que lindo. Remuneradas para garantir a nossa segurança e incolumidade, através do pagamento de impostos e tributos, se sujeitam a isso. E, em crimes de difícil elucidação, a delação é a solução perfeita, apesar de enfrentar duras críticas por doutrinadores, fator que respeito.

O desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, José Carlos Teixeira Giorgis, define a ocorrência da delação premiada “quando o juiz convida o agente a indicar algum comparsa ou outras pessoas envolvidas na relação”. (A delação premiada. Doutrina disponível no site: www.coad.com.br/advonline).

Já Renato Marcão, entende que "o instituto da delação premiada, de evidente notoriedade nos dias atuais, não é produto de criação recente no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo assim demorou até que o legislador pátrio se embrenhasse na regulamentação normativa, e quando assim passou a proceder, novamente se descuidou de certas cautelas das quais não poderia olvidar".

E complementa:

"Embora a legislação esteja sujeita a críticas, a intenção é positiva, não obstante que a só adoção da delação já exponha o reconhecimento da incapacidade do Estado frente às variadas formas de ações, e demonstre a aceitação de sua ineficiência ao apurar ilícitos penais, notadamente os perpetrados por associações criminosas, grupos, organizações criminosas, quadrilha ou bando, alicerçados em complexidade organizacional não alcançada pelo próprio Estado". (Delação premiada. Doutrina disponível no site: www.coad.com.br/advonline).

Para que ocorra a delação e os efeitos na dosimetria da pena, é necessário que um dos acusados colabore com a investigação policial e com o equacionamento jurídico do processo-crime, o que irá influir ao final. No momento em que o magistrado efetuar o cálculo da pena, aplicará, em contrapartida, o percentual da redução, diante da contribuição à autoridade policial no fornecimento de indícios de autoria e materialidade.

Vejamos julgados sobre o tema em comento:

STF - HC 99736 - Publ. em 21-5-2010
SENTENÇA CONDENATÓRIA - DELAÇÃO PREMIADA - CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. (...) Na concreta situação dos autos, o magistrado não examinou o relevo da colaboração do paciente com a investigação policial e com o equacionamento jurídico do processo-crime. Exame, esse, que se faz necessário para determinar o percentual de redução da reprimenda. (...) A partir do momento em que o Direito admite a figura da delação premiada (artigo 14 da Lei nº 9.807/99), como causa de diminuição de pena e como forma de buscar a eficácia do processo criminal, reconhece que o delator assume uma postura sobremodo incomum: afastar-se do próprio instinto de conservação ou auto-acobertamento, tanto individual quanto familiar, sujeito que fica a retaliações de toda ordem. Daí porque, ao negar ao delator o exame do grau da relevância de sua colaboração ou mesmo criar outros injustificados embaraços para lhe sonegar a sanção premial da causa de diminuição da pena, o Estado-juiz assume perante ele conduta desleal. Em contrapasso, portanto, do conteúdo do princípio que, no caput do artigo 37 da Carta Magna, toma o explícito nome de moralidade. Ordem parcialmente concedida para o fim de determinar que o Juízo processante aplique esse ou aquele percentual de redução, mas de forma fundamentada.

STF - HC 101436 - Publ. em 9-4-2010
TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - DELAÇÃO PREMIADA - REDUÇÃO DE PENA. Concluir de forma contrária ao entendimento das instâncias ordinárias e do Superior Tribunal de Justiça para assentar que as informações prestadas pelo ora paciente seriam suficientes para garantir-lhe o direito do benefício da delação premiada, demandaria o exame de matéria fática ou valoração dos elementos de prova não comportada pela via estreita do habeas corpus. HC denegado.

STJ - REsp. 1.102.736/SP - Publ. em 29-3-2010
ENTORPECENTE - TRÁFICO INTERNACIONAL - DOSIMETRIA DA PENA – FIXAÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO. A demonstração do dissídio jurisprudencial não se contenta com meras transcrições de ementas, sendo absolutamente indispensável o cotejo analítico, de sorte a demonstrar a devida similitude fática entre os julgados, não verificada na espécie. Para a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei nº 11.343/2006, é necessário que se trate de Réu primário, de bons antecedentes, que não se dedique a atividades criminosas e nem integre organização criminosa. Se restou comprovado nas instâncias ordinárias, soberanas na análise de provas, que o Acusado "seguramente transportava a droga por conta e ordem de organização criminosa, e ao que parece com certa habitualidade", não se pode rever a recusa do benefício, tendo em vista que essa pretensão esbarra no óbice da Súmula nº. 7 deste Superior Tribunal de Justiça. Aplicar-se-ia, integralmente, a Lei nº 11.343/2006, em face do princípio da retroatividade da lei penal mais benigna, se, analisando o caso concreto, a lei posterior se revelasse mais benéfica ao Réu, o que não se verifica na hipótese (...).

TJ-DFT - Ap. Crim. 0007554-54.2004.807.0008 - Publ. em 14-4-2010
FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS - PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA DELAÇÃO PREMIADA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO JÁ RECONHECIDA. A delação do corréu, em harmonia com os demais elementos probatórios, é apta a embasar o decreto condenatório. No caso, além de os policiais terem afirmado que os dois réus, no momento da prisão, confessaram a prática dos dois crimes de roubo, os bens subtraídos - dentre os quais três bujões de gás e uma televisão quatorze polegadas - foram encontrados a cerca de 1 km do local do crime, sendo difícil crer que apenas uma pessoa tenha carregado todos os objetos. (...) Apesar de a defesa ter pleiteado a aplicação da causa de diminuição da pena referente à delação premiada, constata-se que tal causa de diminuição já foi reconhecida pelo juízo a quo (...).

TJ-ES - Ap. Crim. 035070019878 - Publ. em 6-3-2009
TRÁFICO DE DROGAS - DOSIMETRIA DA PENA - DELAÇAO PREMIADA - IMPOSSIBILIDADE. Os requisitos para o reconhecimento da delação premiada são cumulativos, devendo-se verificar a ocorrência de colaboração voluntária com a investigação policial ou o processo criminal, identificação dos demais co-autores ou partícipes e recuperação do produto do crime. Embora demonstrado nos autos que a acusada preenche um dos requisitos. Desta forma, torna-se impossível a aplicação do benefício previsto no artigo 41 da Lei nº 11.343/2006 em favor da ora recorrente, devendo, pois, ser mantida irretocável a r. decisão monocrática. Recurso conhecido e improvido.

TJ-MS - Ap. Crim. 2009.007400-2 - Publ. em 4-5-2010
ROUBO CIRCUNSTANCIADO - DELAÇÃO PREMIADA - NÃO OCORRÊNCIA. (...) Para fazer jus ao benefício da delação premiada, não basta a confissão parcial, decorrente da prisão do agente, posto que para sua configuração é necessária a procura voluntária da autoridade, prestando informações precisas e decisivas sobre o crime e envolvimento dos réus.

TJ-RJ - Rev. 77/2002 - Publ. em 18-2-2004
DELAÇÃO - CAUSA REDUTORA DE PENA. O legislador, com o advento do artigo 7º da Lei nº 8.072/90, introduziu, no artigo 159 do Código Penal, um novo parágrafo 4º, pelo qual estabeleceu uma nova causa redutora de pena em favor de co-autor ou partícipe de extorsão mediante seqüestro, praticada em quadrilha ou bando, que vier a denunciar o delito à autoridade, facilitando, desta forma, o restabelecimento da liberdade do sequestrado, devendo a pena cominada sofrer uma diminuição entre um e dois terços. Posteriormente, a Lei nº 9.269/96 deu nova redação ao aludido dispositivo legal, possibilitando que a delação premiada possa ser reconhecida quando ocorrer mero concurso de pessoas, desde que um dos concorrentes informe à autoridade o fato típico (...).

TJ-RS - Ap. Crim. 70.028.686.673 - Publ. em 8-4-2009
ENTORPECENTE - TRÁFICO - CONFISSÃO, REINCIDÊNCIA E SANÇÃO PECUNIÁRIA. (...) Confissão não se confunde com a delação premiada, mormente não tendo o condenado indicado a origem das drogas e nenhum elemento para a quebra da fonte de alimentação do nefando comércio. Cometendo o crime depois de condenado por delito anterior com sentença transitada em julgado, presente a agravante da reincidência, artigo 61, inciso I, 63 e 64 do CP. A reincidência afasta a possibilidade de redução da pena por força do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.

TJ-SP - HC 990093260328 - Publ. em 22-4-2010
QUADRILHA OU BANDO - VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL - CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. O paciente que era proprietário de máquinas caça-níqueis era, ao mesmo tempo, policial civil que interferiu na apuração dos fatos. Hipótese de delação, que correu sob proteção de quem o incriminou como xmaquineiro' e policial corrupto. Custódia necessária e fundada. Ordem denegada.

A delação precisa ser bem utilizada para não ser duramente criticada. É preciso a colaboração espontânea e ininterrupta, para não haver agente beneficiado sem ter colaborado com prestreza. Imagine, senhores, o delator, mormente neste caso que acompanhamos, envolvido com milícia, mas ileso, porque alfinetou uma autoridade que o tinha como um homem de confiança? O agente pode estar agindo de má-fé, e caberá às autoridades sérias e experientes, perceberem isso.

De fato, graças à delação, a população deve agradecer a todas as megaoperações que vem sendo realizadas pela Polícia Federal e pelo Parquet nos últimos anos. Um trabalho brilhante, que merece aplausos. Agora, devemos acompanhar os julgamentos, passo-a-passo, sem nos envolver com que a mídia divulga, e sim, com conhecimento técnico e a razão na frente da emoção.

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